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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Reflexo

Andava devagar arrastando suas chinelas encardidas pela calçada. Não estava longe do salão, já do lado da padaria passara pelo bar da esquina - que mesmo com as luzes do sol incidindo na mesa quebrada de sinuca estava cheio - e avistava a parede vermelha do açougue.

Cruzou a porta de ferro enquanto lia no letreiro “Elyzete”. O cheiro de carne a incomodava, mas não tinha escolhas, era o que podia pagar.

Apesar de pequeno o salão lembrava uma feira com diversas vozes vindo de todas as partes, o secador disputava espaço com o locutor de radio que anunciava alguma promoção.

Passou a mão no cabelo crespo e molhado, sentou-se na cadeira com o estofado rasgado que Elyzete indicava. Em sua frente viu uma mulher de aparência velha e cansada com algumas rugas na pele escura. Tirou os olhos do espelho ao sentir o ar quente do secador no couro cabeludo.

Foi quando em um movimento rápido a cadeira girou, e de costas para a penteadeira viu todo o salão. Agora extenso e perfumado, nas prateleiras diversos modelos de pente e tubos com líquidos coloridos. Ouvia uma música agitada e o som dos saltos que driblavam as inúmeras poltronas, cada qual com uma mulher jovem de pele clara e unhas coloridas.

Perplexa levantou-se e sentiu-se mais alta, sua bermuda e camiseta haviam sido substituídas por um vestido curto e acompanhado de jóias no pescoço e punhos. Virou-se e viu sua imagem jovem e loira, seus dentes claros e em ordem. Seus olhos firmes sem marcas de olheiras ou tapas.

Uma moça de aparência simpática entregou-lhe uma bolsa e apontou a saída. Mexeu na bola e sentiu algo gelado em meio a tantos objetos. Balançando um molho de chaves deslizou em direção a porta já olhando fixo em um automóvel vermelho. Estava irreconhecível. Confiante, radiante e orgulhosa abriu a porta do carro quando ouviu:

- Maria! È melhor levar uma sacola, acho que vai chover.

Viu suas mãos calejadas pegando a sacola plástica de Elyzete. O cheiro de carne invadiu-lhe as narinas e sentiu seus cabelos agora lisos e secos entre os dedos.

Arrastou devagar as chinelas sem direção ao bar da esquina quando viu na vitrine da padaria o reflexo real da Maria do Carmo Trindade da Silva.